Especialistas questionam como foram retratados no longa-metragem o conclave, a sociedade secreta Illuminati e a bomba antimatéria
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O Vaticano não viu e não gostou, mas milhares de espectadores do mundo inteiro estão adorando a versão cinematográfica de Anjos e Demônios, baseada no best-seller de Dan Brown. Só nos primeiros três dias de exibição, mais de 770 mil brasileiros assistiram ao filme. Em Santa Maria, quase 3 mil pessoas viram o longa, em duas semanas. O sucesso de bilheteria é justificável: a narrativa é tensa e ágil, e o texto é de fácil compreensão.
Evidentemente, transformar um livro de 464 páginas num filme de duas horas exige sacrifícios. Em muitos casos, quem sofreu foi a verossimilhança. O roteiro traz situações que soam forçadas, pois, para simplificar a história vários conflitos foram subtraídos, sem falar de que alguns recursos dramáticos do filme – que mistura bomba de antimatéria, escolha de um novo papa e uma sociedade secreta antiquíssima – são pura ficção.
Como o filme envolve assuntos que facilmente nos confundem, o Diário 2 convidou um religioso, um historiador e um físico para apontar o que é ficção nesta obra que parece tão real: padre Sílvio Weber, Vitor Biasoli e Agnaldo Severino, respectivamente.
Padre Sílvio saiu do cinema tentando entender porque o Vaticano criticou o longa de Ron Howard:
– Creio que o temor da Igreja seja pela má interpretação que alguns possam dar das questões apresentadas pelo filme. Mas o público tem de entender que se trata de ficção.Padre Sílvio adorou o filme, que classificou como “divertidíssimo”. Ainda assim, ele não deixou de observar que a produção exagera nas tintas em determinados pontos:
– O filme toca em algumas feridas reais da Igreja, como o julgamento de Galileu, mas, na minha opinião, exagera na questão do conclave e na postura dos cardeais.
Segundo o padre há sim certa “política” na eleição de um papa, mas o filme sugeriu um jogo de interesses que não existiria na realidade, já que os cardeais passam boa parte do tempo orando para que Deus guie a escolhe do sucessor ao trono de Pedro.
– E embora haja muita pomposidade no Vaticano, a maioria dos cadeais é bastante humilde e seu poder vem dessa humildade. O filme traz um personagem (o cardeal Strauss) soberbo. Isso me incomodou – confessa o padre.
Seita – Outra coisa que o padre observou foi que, no longa, os Illuminati foram tratados como seita.
– Pelo que sei, não formavam um grupo – diz o religioso.
Vitor Biasoli, professor do curso de História da Universidade Federal de Santa Maria, diz que faltam evidências de que os Illuminati fossem uma sociedade secreta.
– Do século 15 ao 18, os intelectuais eram todos meio magos, envolvidos com estudos de coisas místicas como a cabala etc. Mas não se pode afirmar que participavam de sociedades organizadas – diz o professor.
Mas Biasoli acredita que a intelectualidade dos anos 1600 pode ter se envolvida na busca da Terceira Força, uma fórmula para equilibrar as relações entre ciência e a religião.
– Na época da contrarreforma, os intelectuais que buscavam essa fórmula geraram muita desconfiança na Igreja, apesar de eles não serem contra a religião – conta Biasoli.
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As primeiras cenas de Anjos e Demônios mostram a colisão de partículas formando a antimatéria (matéria de carga invertida, com elétrons positivos e núcleos dos átomos negativos, que explode em contato com a matéria).
As cenas se passam num cenário que tenta reproduzir o acelerador de partículas Centro Europeu de Pesquisa Nuclear (Cern). Ao fim do processo, a antimatéria é armazenada em um recipiente de vidro magnetizado. Mais tarde, um larápio invade o local, rouba um dos vidros e o esconde sob o Vaticano para que o país exploda caso a eleição do novo papa não seja cancelada.
Aguinaldo Severino, professor do departamento de Física da UFSM, adorou o filme, mas considerou fantasiosa a trama em torno da antimatéria. Para começar, porque é impossível produzi-la em quantidade suficiente para ter efeitos de uma bomba.
– Até há laboratórios capazes de produzir antimatéria, mas a quantidade é muito pequena. Demoraria 1 milhão de anos para produzir um grama do material – explica o professor.
Outra “liberdade” da ficção foi o tipo de recipiente em que o poderoso material foi guardado.
– A antimatéria precisa de espaço para se estabilizar. Por isso, teria de ser guardada em um recipiente enorme. No acelerador de partículas, por exemplo, que tem quilômetros de comprimento – afirma Aguinaldo.
Na reta final do filme, a bomba explode, no ar. A onda de choque causa danos no Vaticano, mas a população se salva. Aguinaldo achou graça da cena:
– Se a bomba de Hiroshima explodisse na Praça Saldanha Marinho, tudo até a Borges de Medeiros evaporaria. Se explodisse no ar, o efeito seria o mesmo. A mesma coisa com a antimatéria. Mas foi engraçado o rapaz salvando a todos. Coisas da ficção mesmo.
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