segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Propósito das Rimas Imperfeitas

Olá, Benedito Generoso da Costa escreveu um cordel bem-humorado para esclarecer uma das possíveis classificações da rima: a imperfeita.

Segue o texto:

Propósito das rimas imperfeitas

É pena que o poeta
Nem sempre possa rimar
Com rimas ricas e raras
Como é de se desejar,
Surge a rima imperfeita,
Fica a harmonia desfeita
Para melhor se expressar.

Se é de se lamentar
Toda vez que isso ocorre,
Pouco se pode fazer,
Mas que o poeta não chore,
Pois o verso defeituoso,
Embora desarmonioso
Sobrevive e não morre.

Iniciando esta estrofe
Vê-se o exemplo claro,
Na de cima o verso quarto
Também merece reparo,
Dá-se aqui a imperfeição
Na grafia e no som,
O que também não é raro.

O que agora eu declaro
Alguém pode estranhar,
Dois modos de imperfeição
Na rima podem constar,
Uma rima pode ser
Perfeita no escrever
E imperfeita no falar.

Um exemplo eu vou dar
Que aqui muita bem calha
Para mostrar que às vezes
Somente o som se atrapalha,
Então vejamos: cabelo
Na escrita rima com belo,
Recitando a rima é falha.

Outras vezes se embaralha
Tão somente a grafia,
Na escrita a rima é imperfeita,
Porém não quebra a harmonia;
Assim o som de cordel
Rima muito bem com céu
E torna bela a poesia.

Registrar eu gostaria
O que mais se recomenda,
Que a rima superior
À inferior não se renda,
Pois esta só é cabível
Quando outra preferível
Não se dispuser na senda.

Para que melhor se entenda
E assimilem-se as lições,
Cito a seguir alguns versos
Já lidos por gerações,
Em que se acham contrafeitas
Várias rimas imperfeitas
Empregadas por Camões.
....................
Mas Oleno, perdido por Letéia,(*)
Não lhe sofrendo Amor que suportasse
Castigo duro tanta formosura,
Quis padecer em si a pena alheia.
Mas, porque a morte
Amor não apartasse,
Ambos tornados são em pedra dura.
....................
As delicadas filhas de Nereu,
Com mil vozes de doce harmonia,
Iam honrando a bela companhia,
Que, se eu não erro por honrá-lo veio.
....................
Fizeram-me cantar manhosamente,
Contentamentos não, mas confianças;
Cantava, mas já era aos sons dos ferros.

De quem me queixarei, que tudo mente?
Mas eu que culpa ponho às esperanças,
Onde a Fortuna injusta é mais que os erros?
....................
Formosa Beatriz, tendes tais jeitos
Num brando revolver dos olhos belos,
Que só me contemplá-los, se não vê-los,
Se inflamam corações e humanos peitos.
....................
Mas maior milagre fez a Natureza
Em vós, senhoras, pondo em cada uma
O que por todos quatro repartiu.

A vós seu resplendor deu Sol e Lua:
A vós com viva luz, graça e pureza,
Ar, Fogo, Terra e água vos serviu.
....................
Entendei que por muito que vos peça,
Poderei merecer quanto vos peço;
Pois não consente Amor que em baixo preço
Tão alto pensamento se conheça.
....................
Há exemplos de montões
Nos mais célebres poetas
Em que as rimas imperfeitas
Despontam-se indiscretas,
Nem por isso, entretanto,
Causaram algum espanto
Ou lhes frustraram as metas.

Se são sempre prediletas
Rimas ricas e perfeitas,
Nem por isso grandes vates
Rejeitaram as imperfeitas,
Pois em certas ocasiões
Impõem-se as exceções
E elas são bem aceitas.

Não podendo ser refeitas
Nem tampouco suprimidas
Dos versos em que tais rimas
Foram por bem inseridas,
Que o leitor se disfarce
Pois elas com seu realce
Não passam despercebidas.
(*) Sem grifos no original

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